Assaltado

sábado, 21 de setembro de 2019

Fui assaltado. Roubaram-me o cordão de ouro que estava em meu pescoço. Enquanto eu, na paz, vislumbrava o mar trocando ideias com dois amigos, arrancaram o laço do meu pescoço ao ponto de marcar a minha pele. Não era importante por ser de ouro. Seu valor era sentimental, por isso incomensurável. Foi um presente de minha mãe há mais de dez anos. Pela última década não houve um dia que eu o tenha tirado do pescoço. Era quase parte de mim.

Minha saudosa mãe me deu o cordão já com uma figa pendurada, “para espantar a inveja e o mau olhado” – dizia ela. Depois, me presenteou com um pingente de Nossa Senhora. Uma grande amiga, à época namorada, me presenteou com um pingente de São Jorge. Depois, com um pingente com o escudo do Vasco da Gama. E foi ficando mais cheio, não pesado, quando minha irmã me deu um pingente com a letra inicial de seu nome: G. 

Depois, dei e coloquei no meu pescoço um pingente de trevo de quatro folhas para que eu e o presenteado nos carregássemos no peito. O cordão fino ainda recebeu de presente um pingente de uma grande amiga, uma Estrela de Davi. Protegido não pelos símbolos que carregava, mas pelo amor dos que me presentearam.    

Confesso que não sou materialista, tampouco apegado às coisas materiais. Não entro na neura de que perdi a minha proteção ao ser assaltado. Tenho direito à raiva. Não tenho dever de julgamento. Na hora, o coração se assusta, acelera. Não entende. Adrenalina. Pensa que poderia ser pior. E se reajo de forma inadequada? E se o amigo ao lado faz algo por reflexo? Sim. Poderia ser pior. A sucessão de fatos pode interromper histórias. 

O fato é que aquele que me roubou, venderá algo muito valioso sentimentalmente por muito menos do que vale. Não sinto mais raiva, nem desejo de julgar. Cultivo só o que me faz bem. Não me sinto desprotegido, porque a fé no amor e nas pessoas que me amam não precisa de símbolos materiais, objetos, tampouco ouro. É claro que adoraria ter meu cordão e pingentes com suas histórias de volta ou que nunca tivessem ido. Mas foram e os deixo ir. Foram. 

Talvez a energia daqueles metais precisasse mesmo ser levada, descarregada. Não vou dizer que o ladrão me ajudou. Não mesmo! Também não acho que o pequeno roubo o auxiliará na sua provável vida desgraçada. É mais um de muitos outros delitos no abarrotado livro de ocorrências que sequer entram nas estatísticas, até pela descrença em registrar. Que um dia pare! Que tenha melhor sorte.

A minha sorte - que está para além de trevo de quatro folhas - é estar de bem comigo mesmo, sabendo que minha mãe é estrela, que do céu, ilumina meus caminhos... Como Nossa Senhora sempre o fez, como a Estrela de Davi continua a me guiar, como São Jorge insiste em me fortalecer, como minha irmã que me dá vínculo, como minhas paixões que me mantém a navegar e pegar emprestado da vida esse prazer de viver.

O cordão se foi. Não preciso de outro. Suas histórias e sentimentos – ninguém pode me roubar. Ele continua aqui! 

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Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

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