A institucionalização da violência

sábado, 08 de setembro de 2018


Pelos próximos meses, a jornalista Laiane Tavares assina a coluna no lugar do titular Wanderson Nogueira. A Justiça Eleitoral determina que candidatos nas Eleições 2018 não podem apresentar, participar ou dar nome a programas de rádio e TV. A regra não se aplica aos órgãos impressos. Mesmo assim, o colunista e A VOZ DA SERRA, em comum acordo, optaram pela alteração neste período. Wanderson Nogueira volta a assinar o Observatório em outubro, após o período eleitoral.

 

No dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro, a vereadora Marielle Franco foi executada em um atentado que levou a morte também seu motorista Anderson. Na última quinta-feira, 6, o candidato a presidência da República Jair Bolsonaro foi vítima de uma tentativa de assassinato, o presidenciável foi esfaqueado durante uma ação de campanha em Juiz de Fora-MG. No meio de tudo isso, são incontáveis os casos de violência que se espalham pelo Brasil tendo como base divergências políticas. Algumas ações parecem já ter sido naturalizadas, como ofender nas redes sociais, brigar no grupo da família, desfazer relações, e por aí vai. Vivemos um caos.

No caso de Marielle, apesar de não termos nenhum esclarecimento oficial em relação as motivações, origens do crime, mandantes e executores, tivemos a experiência traumática e violenta do desrespeito a sua memória e vida, que até hoje é promovido pelas redes através de ações pautadas e sustentadas justamente por essa polarização de ódio. Com as mentiras, ainda matam um pouco Marielle todos os dias. Seguindo...

Quando Marielle Franco foi executada eu estava no Rio de Janeiro, fui à vigília que reuniu milhares de pessoas na Cinelândia no dia seguinte ao crime. Me lembro - e só de lembrar a dor retorna - de estar em prantos olhando para os rostos de todos aqueles milhares de desconhecidos e sentir uma dor tão comum, além dela uma outra sensação me abatia, uma que eu não conseguia nomear, não era desespero, não era raiva ou indignação, depois ficou evidente: era a desesperança.

Havia ali uma ausência de futuro, não só para ela ou Anderson, mas porque suas vidas foram encerradas de forma tão violenta parecia que nenhuma vida era valiosa o bastante. O que nos protegeria quando ninguém está protegido? Enquanto as horas passavam debaixo de um sol forte que fazia o tempo parar enquanto nem por um minuto deixou de passar, o dia ficava mais e mais quente, era insuportável, mas na dor estávamos congelados. No silêncio, entre lágrimas já prevíamos, num coletivo solto e imerso nas individualidades de cada conexão pessoal que nos atravessava, a ausência de uma resposta - até o momento que escrevo essa coluna, ainda não temos uma.

Marielle era símbolo de uma promessa, uma promessa de possibilidades. De certa forma, Bolsonaro também o é para seus admiradores. Assim que soube do atentado contra o presidenciável, me preocupei primeiro com o que isso significa para nossa frágil democracia. Um candidato a presidência da República precisa ter o direito e a segurança de correr o país e debater o seu projeto sem correr risco de morte. Bolsonaro não é alguém que eu admire, mas ele representa muitas pessoas, lidera as pesquisas no cenário sem Lula. São milhões de pessoas que sentem uma conexão com o que ele diz, por mais que as coisas que ele diz não me represente nem represente meu ideal de país, ele tem milhões de intenções de voto, e isso precisa ser respeitado numa democracia.

Já é noite do dia em que tentaram matar Bolsonaro enquanto escrevo essas palavras, não sei o que ocorrerá daqui pra frente, o algoz do candidato diz, até o momento, ter feito “Em nome de Deus”, passam os séculos e as pessoas ainda cometem todo tipo de atrocidades em nome de Deus, essas pessoas nunca entenderam que Deus é amor, salva pelo afeto, não pelo ódio. Enfim, comecei escrevendo sobre Marielle e sobre a sensação daquele momento na Cinelândia, primeiro porque é impossível esquecer que o tempo está passando e não temos nenhuma resposta, mas também porque, apesar de sermos tão diferentes, sofremos de forma muita igual, somos tão pequenos diante do medo, da perda, da tristeza e da desesperança.

Olhando para os seguidores do Bolsonaro que se aglomeraram em frente ao hospital onde ele foi operado, vi por um momento a mesma dor que vivenciei naquela tarde de sol escaldante na Cinelândia. Era verão, estamos no inverno. Foi Marielle, é Bolsonaro. Mas a dor parece vir de uma mesma direção, da tal desesperança. Estamos afundados numa sensação de receio e horror. Nos últimos anos a violência está se institucionalizando, é como se fosse saída oficial para os problemas do país. Por isso, talvez, as pessoas queiram se ARMAR no momento em que mais precisam se AMAR.

Na minha última coluna publicada aqui, antes do atentado contra Bolsonaro, terminei dizendo que “amar ao outro como a si mesmo não é de direita nem de esquerda, é divino”, minha vontade é terminar todas as colunas assim, independente do assunto, até que o máximo de nós aprenda que a violência, do discurso à física, não é meio é fim, encerra sonhos, possibilidades, caminhos, e a medida que se acentua como natural, encerra cada vez mais vidas.

Eu digo não ao discurso do próprio Bolsonaro que um dia antes de ser esfaqueado declarou que fuzilaria petistas, e digo não à atrocidade cometida contra ele. Isso não me faz uma coisa nem outra, me lembra apenas que sou humana e que escolho a vida, a paz e o amor.

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Wanderson Nogueira

Observatório

Jornalista, cronista, comentarista esportivo, já foi vereador e agora é deputado. Ufa! Com um currículo louvável, o vascaíno Wanderson Nogueira atua com garra no time de A VOZ DA SERRA em Observatório, sua coluna diária.

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