As rosas, a literatura e os olhos da raposa

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Estou assistindo a bela e emocionante série de documentários Nosso Planeta. Fui descobrindo, ao longo dos episódios, que a Terra é literária por excelência. Nós, os humanos, tocamos a natureza com palavras, enquanto prosa e poesia. Enquanto história, narração e descrição. A literatura é inspirada pela vida em suas milhares e mais variadas formas, em seus fatos genuínos, em seus acontecimentos quotidianos; reinventa a natureza que se espalha pelas tantas terras, mares e céus.

A natureza é feita de seres vivos e brutos e a literatura, de palavras. São universos distintos, uma vez que a natureza é real, e a literatura é imaginada ou pensada. Entre as duas há limites definidos que não podem ser ultrapassados. Porém, o universo natural dá sentido ao literário. E este, através de textos criados com arte, tocam a natureza. A literatura é sua completa dependente, mesmo com toda a liberdade que o escritor venha a ter para criar textos, e o leitor para interpretá-los.

Quando olhamos a natureza através da literatura, percebemos o nosso planeta a partir das cores e graus das lentes literárias, que nos oferece uma visão clara e abrangente das vidas, seus modos de ser e como interagem com todas as outras vidas. O simples bater das asas de uma borboleta interfere nos mais extremos ambientes da Terra. A literatura nos proporciona compreender a nossa própria existência, enquanto parte de um todo complexo e dinâmico. Daniel Defoe, através de Robson Crusoé, mostrou a íntima interação do homem com a natureza. Como também Edgar Rice Burroughs, revelou o homem, em Tarzan, fazendo parte do reino animal.

Vivemos num planeta em mutação. A natureza se modifica com o passar do tempo, e a literatura se aventura, através de realidades imaginadas, a descobrir, a cada momento, os sentidos da existência neste planeta, que nos faz ser o que somos.  

O amor é vital, decorrente da necessidade que cada vida tem de interagir com outras para não sucumbir; a árvore acolhe o passarinho que germina as sementes que come dos seus frutos. Eu falo isso no meu livro, Ajelasmicrim. Como a renovação das florestas é poética! Da mesma forma que a sua destruição pode inspirar a construção de roteiros cinematográficos. A literatura tem os olhos severos da raposa que nada deixa escapar. A natureza tem as rosas que mostram aos poetas a mágica sutileza do existir.

A literatura descreve a imponência da natureza, porém tão possível de ser fragilizada pela ação humana. Ambas se tocam com a suavidade dos pássaros e o estrondo dos trovões. Ambas têm a cor do sangue; a literatura em suas páginas e a natureza em suas paisagens.

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Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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