Entre abraços e hibiscos

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Hoje, começo a série de colunas de 2019, que serão 51, caso não tenho
me enganado com as contas. Mesmo gostando de matemática, meu
pensamento está mais para palavras do que para números. Enfim...
Há dois dias que estou procurando uma ideia para escrever, afinal de
contas, a primeira tem que ter um sentido especial, por mais corriqueiro que
seja o tema.
Durante as pesquisas, mergulhei nas crônicas de Marta Medeiros e me
deparei com uma, por sinal, a primeira do seu livro Feliz por nada, escrita em
12 de junho de 2008, há mais de dez anos. Dentro de um abraço é um texto
atual e tocou-me da mesma forma quando o li. Eu me lembro da leitura, até
porque foi bem comentado na época.
Agora, eu a li de manhã, antes mesmo de sair da cama. Estava sozinha
entre os lençóis e senti uma vontade imensa de me abraçar, de abraçar a vida.
O mundo inteiro. Quando abri a janela, uma flor de hibisco enorme, amarela e
aberta tomou conta da minha visão. Ah, este meu pé de hibisco, a poucos
centímetros da minha janela, faz questão de me dar boas-vindas ao dia, todas
as manhãs. Mas, hoje, especialmente, ele me abraçou.
Fiquei entre a primeira frase da Marta, que era uma pergunta simples
“onde é que você gostaria de estar agora, nesse exato momento”? E eu
respondi baixinho. Aqui, diante deste pé de hibisco que me convida ao dia, que
me encanta com suas flores, que nascem e morrem todos os dias. Aí, minha
alma entendeu o título do livro Feliz por nada.
A escritora Marta Medeiros, pessoa sensível às relações humanas, falou-
me, em poucas linhas, através do abraço, da simplicidade da felicidade. É uma
decisão, para melhor dizer, decorrente da vontade de querer estar bem. De
vivenciar o amor à vida. Naquele momento, consegui ver o pé do hibisco e quis
transformá-lo num abraço, que me acolhesse dentro dos seus galhos.
Ah, o abraço nada mais é do que colocar o outro dentro dos nossos
braços como forma de expressar afeto. Ou deixar-se ser abraçado. Ambos os

gestos fazem do abraço um momento de completude. O pé de hibisco e eu
estávamos inteiros, e o dia me começou sorrindo.
Entretanto, a profundidade do sentimento contida no abraço precisa ser
percebida e sentida, bem como a disposição para fazê-lo. Talvez receber um
abraço possa embaraçoso ou forçado. O abraço é um presente que se dá e
que se recebe. Para Marta, é o melhor lugar do mundo para estar porque tem
afeto, calor e segurança.
Então, ali, sentada na beira da cama, com os olhos fixos no pé do hibisco,
meu pensamento puxou lembranças, e eu revivi o primeiro abraço que me
lembro de ter recebido. Foi do meu avô Tonico, enquanto me ninava. Aquela
lembrança me fez sentir uma grande pessoa no mundo e amorteceu as dores
da vida.
O abraço do vovô me fez ser quem sou, a gostar de palavras porque
sempre conversamos e guardamos segredos de pé de ouvido. Por isso, perco
horas, escrevendo. Abraçando-as.

TAGS:
Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.