Os contos de Enéas Heringer

quinta-feira, 07 de junho de 2018

Edifício Gustavo Lira, na Rua Augusto Spinelli, centro da cidade. Exatamente nesse local ficava o Teatro Dona Eugênia, um espaço de sociabilidade no século 19. Sua construção foi iniciada pela Sociedade Musical Campesina Friburguense para estimular as artes dramáticas na Vila de Nova Friburgo. Possivelmente essa iniciativa partiu de seu presidente, Fioravanti André Martignoni, pois as óperas italianas estavam muito na moda no fim daquele século. Adquirido o terreno de Pedro Eduardo Salusse na então Rua General Câmara, em 30 de maio de 1886, foi lançada a pedra fundamental e escolhido o nome para o teatro: Victor Hugo, em homenagem ao renomado escritor francês.

No entanto, a Sociedade Musical Campesina não podendo dar continuidade à obra, vendeu-a a um fazendeiro de Sumidouro, Manoel Amâncio de Souza Jordão, que finalizou o teatro dando-lhe o nome de Dona Eugênia, em homenagem à sua esposa, Eugênia dos Santos Jordão. No início de 1895, foi inaugurado o Teatro Dona Eugênia com a ópera de Verdi, “Um Baile de Máscaras”, pela companhia italiana Verdini & Rotoli. O prédio tinha um estilo eclético e era dividido em dois pavimentos. No primeiro andar ficava a plateia e no segundo as galerias e as torrinhas. Internamente possuía acabamento de madeira e uma acústica maravilhosa.

O teatro possuía lotação para 600 pessoas, com 212 cadeiras de primeira classe e 17 camarotes, sendo um deles de honra. Toda essa introdução foi feita, na realidade, para apresentar Enéas Heringer, comerciante, que participava como ator e roteirista do Grupo Teatral da Associação Católica Friburguense. Em uma entrevista que fiz com ele, me mostrou raríssimas imagens do palco do Teatro Dona Eugênia, que posteriormente passou a ser conhecido como Cine Teatro Leal. Ali ele representou muitas peças nos quais algumas ele escrevia. Recebi dele um delicioso livro de contos, de sua autoria, intitulado “Rodízio de Contos Temperados com Humor”. O livro é maravilhoso e me deleitei com a sua leitura.

Nos seus mais de 90 anos de idade, Enéas Heringer tem muito para nos contar sobre o cotidiano de Nova Friburgo no passado. Um dos contos é sobre o negro Adão, sapateiro, que se vestia de Boi Malhado no carnaval e que por conta de uma brincadeira, nessa ocasião, com o delegado Jurandir, tido como valente, violento e cruel, o pobre coitado acabou em maus lençóis. Outra crônica deliciosa é a “Medidas de Dona Maroca”, cujo personagem central é Felipe, o mentiroso, que se passa na década de 1940, em Lumiar.

Já no conto “Promessa paga a seu modo” que se passa igualmente na década de 1940, Heringer narra uma divertida história do mascate turco Jorge Nacife. Vindo de Macaé, em direção a Lumiar, Nacife subia com sua tropa de mulas a íngreme serra de Aldeia Velha quando foi surpreendido por um violento temporal. Em meio a terrível tormenta, não tendo como proteger sua carga de caixas de velas, ajoelhou-se no meio da estrada e fez uma promessa à Santa Bárbara, protetora das vítimas de tempestades. Prometeu dar à sua igreja 50 caixas de velas se a chuva cessasse. A chuva parou, salvando a mercadoria do turco Jorge Nacife. Ao chegar à venda do pai de Enéas Heringer, descarregou a carga e levou as mulas para o pasto. Pernoitaria na residência dos Heringer.

Após trocar a roupa e jantar foi com o seu ajudante Ambrósio separar a mercadoria. Conforme Nacife ia separando-as, mencionava o nome dos clientes para o ajudante Ambrósio. No final, apontou para algumas caixas vazias dizendo ao criado que aquelas eram “bra Santa Bárbara, bra pagar a bromessa que fiz”. Ambrósio espantado, disse ao patrão que estavam vazias ao que Nacife respondeu: “Oh Ambrósio, quando eu fiz a bromessa, não disse que ia dar caixas cheias.”  

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    Enéas Heringer, ao centro, representou muitas peças nos quais algumas ele escrevia

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    Enéas Heringer participava como ator e roteirista do Grupo Teatral da Associação Católica Friburguense

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    O Teatro D. Eugênia possuía lotação para 600 pessoas, com 17 camarotes

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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