O palacete do Barão das Duas Barras - O patriarcalismo mineiro (Parte 1)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Palacete do Barão das Duas Barras. Nos dias de hoje, a existência de prédios em seu entorno impede a sua visualização de vários pontos da cidade. É considerado um dos mais importantes patrimônios históricos de Nova Friburgo, tombado em 1988, pelo Inepac. Esse palacete foi construído por Elias Antônio de Moraes, o segundo Barão das Duas Barras, da importante família Moraes, uma das mais ricas entre a elite rural fluminense. Fizeram fortuna no século 19, na região de Cantagalo, com o plantio do café e atividades financeiras.

A história da família Moraes na província fluminense tem início com João Antônio de Moraes. Nascido em 1810, era o décimo de doze filhos de Antônio de Moraes Coutinho e de Maria Felizarda de Sant’Ana, originários da província de Minas Gerais. João Antônio de Moraes casou-se com Basília Rosa da Silva, neta de uma ex-escrava e nascida Cantagalo. No entanto, o primeiro casamento de Basília não foi com João Antônio, e sim com um irmão deste, Antônio Rodrigues de Moraes. Porém, Antônio morreu assassinado e Basília, na ocasião com 30 anos, vendo-se sozinha para cuidar de suas terras e de cinco filhos, casa-se com o cunhado João Antônio de Moraes, com 23 anos, que se encarrega da administração dos negócios da família. Além dos cinco sobrinhos que tinha sob a sua guarda, João Antônio teve com Basília quatro filhos. Além da Fazenda Santa Maria do Rio Grande, onde residiam, o inventário de seu irmão incluía a Fazenda Macabu, a propriedade de 50 escravos e de bens móveis. Porém, João Antônio herdara também uma dívida do irmão com Antônio Clemente Pinto, o primeiro Barão de Nova Friburgo. João Antônio de Moraes não só saldou a dívida com o barão, evitando a perda das duas fazendas, como igualmente foi adquirindo muitas outras propriedades ao longo dos anos, colocando a família entre as mais ricas na província fluminense.

Desde 1835, quando assumiu a direção dos negócios da família, até 1872, quando fez em vida a partilha dos bens do casal, João Antônio acumulou um grande patrimônio em terras, escravos, pés de café e dívidas ativas. Além das fazendas Santa Maria do Rio Grande e Macabu, ao longo dos anos adquiriu outras vinte, sendo elas Barra, Bonança, Boa Esperança, Canteiro, Coqueiro, Córrego Alto, Engenho da Serra, Engenho Velho, Freijão, Glória, Grama, Monte Café, Neves, Olaria, Paraíso, Ribeirão Dourado, Rio São João (em Minas Gerais), Sant’Alda, São Lourenço e Sobrado. Aproximadamente mil escravos trabalhavam em suas 22 fazendas. O plantio do café permitiu a expansão econômica de João Antônio de Moraes e lhe rendeu, em 1867, o título de primeiro Barão das Duas Barras. Possivelmente, o número extraordinário de fazendas que acumulou é resultado de hipotecas de sua atividade usurária como emprestador de dinheiro a juros aos fazendeiros da região.

A diversificação dos negócios coloca João Antônio de Moraes entre os denominados fazendeiros-capitalistas, que perceberam o fim próximo da escravidão e se prepararam para enfrentar o problema que a falta de mão-de-obra traria para suas lavouras. Acreditando poder manter os ex-escravos em suas fazendas após a abolição, como trabalhadores rurais, libertou antecipadamente seus cativos e lhes doou pés de café e lotes de terras na sua Fazenda Santa Maria do Rio Grande. No entanto, o estilo de vida do primeiro Barão das Duas Barras era bastante simples e rústico. O enriquecimento não trouxe uma mudança substancial nos hábitos de sua família. Tinha costumes patriarcais mineiros. A sua mesa era mineira, frugal e abundante. Nela apareciam a canjica, as pipocas, a couve mineira, o caldo de unto e a rapadura. Preferia a calça e a camisa de brim mineiro aos finos tecidos importados. Manteve-se um homem rural, não construiu suntuosas residências nas vilas, como outros nobres, e não ocupou cargos públicos. Nunca mandou fazer um brasão da família e não chegou a ter louças e cristais com seu monograma. No máximo, teve um aparelho de chá de prata gravado com suas iniciais e fez-se retratar em uma pintura, assim como a baronesa.

João Antônio faleceu em 1883, e em seu testamento pediu para ser sepultado no cemitério da Fazenda Santa Maria do Rio Grande e que o seu corpo fosse transportado pelos escravos mais idosos. Deixou aos herdeiros terras, escravos, pés de café, dívidas ativas e dinheiro. As estratégias matrimoniais com a construção de alianças através do casamento foram utilizadas pelos Moraes para aumentar o patrimônio da família. A endogamia, ou seja, casamentos entre familiares próximos, era muito comum entre a elite latifundiária da época. Essa tendência manifestou-se claramente nos arranjos matrimoniais que João Antônio estabeleceu para seus filhos e enteados. Para a maioria deles escolheu primos-irmãos, com o objetivo de fortalecer os laços de parentesco e de garantir o seu controle sobre os negócios da família. Esse padrão de casamentos interprimos repetiu-se com frequência na terceira geração, entre os netos e sobrinhos-netos do barão com o objetivo de fortalecer a família. Essa prática garantia a permanência da fortuna entre os Moraes e sustentava a coesão do grupo familiar. Continua na próxima semana.

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    O palacete da família Moraes em Nova Friburgo

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    Basília Rosa da Silva, baronesa e neta de uma ex-escrava

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    João Antônio de Moraes , o primeiro Barão das Duas Barras

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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