Mudaria o Natal ou mudei eu?

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Um dos textos mais interessantes que já li de um memorialista é o que segue adiante, extraído do jornal O Friburguense, a crônica “De antigamente e de agora”, de 23 de dezembro de 1928.  Foi graças ao saudosismo de Henrique Zamith, que viveu a sua infância e juventude na Nova Friburgo fin-de-siècle, que hoje podemos conhecer o cotidiano, no Natal, de uma típica família burguesa friburguense daquela época.

Sua crônica evoca um passado onde havia ainda os resquícios da escravidão, há pouco tempo extinta, onde a cozinha era ainda comandada pelas outrora escravas. Como era o Natal em Nova Friburgo, no final do século 19? Um dado curioso era de que músicos percorriam as ruas do centro da cidade tocando instrumentos. Já a população ia para as praças da cidade flanar na noite de Natal. Segue um trecho de uma deliciosa crônica de Henrique Zamith que nos remete à ceia de Natal, ao movimento da casa, do sarrabulho, do sangue coagulado do porco para fazer o chouriço, em que as crianças tagarelavam excitadas pelo cheiro do sangue dos animais abatidos, como na hecatombe dos rituais gregos de sacrifícios de animais para os deuses. Mudaria o Natal ou mudei eu, como nesse questionamento do memorialista Machado de Assis. Penetremos nesta deliciosa narrativa de Zamith, que abre uma janela para o passado:

“A chegada do Natal, momento íntimo e familiar era dia de grande sarrabulhada. As casas ficavam todas em polvorosa: da sala de visitas à cozinha, o quintal, a dispensa, a copa, era uma azáfama de endoidecer. As crias da casa, velhas negras remanescentes da extinta escravidão resmungavam, arrumavam, iam e vinham, taramelavam, lavavam, vasculhavam, areavam e poliam. Na despensa, era um requebrar de ovos, bater de bolos, o lambuzar de forminhas, o fazer de doces, pudins, biscoitos e broas. Na cozinha, o preparo de perus, leitoas, frangos recheados e tortas, mal dava tempo de descanso às velhas cozinheiras. As próprias costureiras não tinham mão a medir: damas, senhoritas e meninas todas tinham seus vestidos encomendados. Enfim, chegava a véspera do Natal! Era um dia de prazer, de vivas emoções, de júbilo e de alegria! Os jantares desse dia eram notáveis! Vinham as cantigas e depois o sarau respeitoso até às 22h com as valsas lentas. Na ceia, castanhas, rabanadas, leitoas, frangos, perus, doces, amêndoas e vinho verde. A tradicional missa do Galo, onde de tudo se cogitava menos ouvir a missa e depois os boas-noites, boas-festas e muitas felicidades. A seguir, todos se recolhiam contentes e felizes, e a meninada a sonhar com o Papai Noel a lhe encher de brinquedos as botinas e os sapatos.....

Para finalizar, descrevo o Soneto de Natal, de Machado de Assis: “Um homem, era aquela noite amiga, noite cristã, berço do Nazareno. Ao relembrar os dias de pequeno, e a viva dança, e a lépida cantiga. Quis transportar ao verso doce e ameno, as sensações da sua idade antiga, naquela mesma velha noite amiga, noite cristã, berço do Nazareno. Escolheu o soneto, a folha branca. Pede-lhe a inspiração, mas frouxa e manca, a pena não acode ao gesto seu. E em vão lutando contra o metro adverso, só lhe saiu este pequeno verso: Mudaria o Natal ou mudei eu?”

 A todos os leitores de A VOZ DA SERRA, o desejo de um santo Natal!

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    Residência do Século 19, Alto do Schuenck

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    Residência do século 19, em Amparo

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    Residência do século 19, Várzea Grande

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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