Mosteiro da Santa Cruz: para a glória de Deus - Parte 1

quinta-feira, 06 de junho de 2019

Entrevistei o monge Plácido, do Mosteiro da Santa Cruz. Foi uma das entrevistas mais instigantes que já fiz em minha vida. De nacionalidade francesa, natural da belíssima região de Champanhe, na França, o monge não se sente confortável em revelar o seu nome de batismo e prefere ser chamado de irmão Plácido. Foi um dos fundadores, em Nova Friburgo, do Mosteiro da Santa Cruz, em uma propriedade doada por um brasileiro, localizado no quilômetro 2 da estrada Luiz Carlos Toledo, no Alto do Michéis, distrito de Riograndina.

Seguindo a ordem dos beneditinos foram igualmente co-fundadores outros cinco monges, tendo como prior o brasileiro Dom Tomás de Aquino Ferreira da Costa. Mas toda a história desse monastério teve início na França. Dom Gérard Calvet, descontente com o rumo progressista da Igreja, recebeu autorização para fundar uma comunidade perto de Avignon, o priorado Sainte Marie-Madeleine.

Nessa ocasião, estabeleceu contato com Dom Marcel Lefebvre, do Seminário de Ecône, na Suíça, de quem recebeu incentivo e ajuda. Mas o priorado de Sainte Marie-Madeleine inicia a construção definitiva do monastério em outra localidade, em Le Barroux, no sul da França, com a denominação de Abadia de Sainte-Madeleine du Barroux. Anos depois, Dom Gérard decidiu estender o mosteiro ao Brasil, possivelmente por sugestão de dois brasileiros em sua comunidade.

Em 3 de maio de 1987, iniciou a vida monástica dos beneditinos em Nova Friburgo. No entanto, no ano seguinte à fundação, Dom Gérard se desligou da orientação de Marcel Lefebvre tomando uma nova direção. O mosteiro em Nova Friburgo, consequentemente, perdeu os laços com o de Le Barroux, permanecendo fiel aos princípios de Lefebvre.

Em todos os anos de funcionamento recebeu, tanto do Brasil como da Europa, apoio material e espiritual permitindo a continuidade da vida monástica. Mas quem foi Dom Marcel Lefebvre? Para entender a sua importância na história da Igreja Católica, temos que retornar ao Concílio Vaticano II. Vigésimo primeiro Concílio Ecumênico da Igreja Católica, ocorreu na cidade-Estado do Vaticano, em 1961, por convocação do Papa João XXIII. Prelados de diversos países discutiram e regulamentaram vários temas da Igreja Católica produzindo constituições, decretos e declarações aprovadas pelo concílio. 

Seu término foi no final de 1965, já sob o papado de Paulo VI. Foi um momento de reflexão da Igreja sobre si mesma e sobre as suas relações com o mundo contemporâneo. As mudanças tinham que ser decifradas à luz dos dogmas da Igreja, atendendo às exigências do mundo moderno. Os padres conciliares se organizaram em torno de duas frentes, uma conservadora e outra progressista, sendo que os progressistas contavam com cerca de 90% dos votos.

Nesse concílio, entre as várias decisões, reformou-se a liturgia em que a missa de rito romano foi simplificada e passou a ser celebrada no vernáculo, ou seja, no idioma local. Entre as várias decisões foram aprovadas a liberdade religiosa, a estruturação dos seminários, o ecumenismo, o reconhecimento do progresso científico e a tolerância e aproximação com muçulmanos, judeus e outros credos. Mesmo com todos esses avanços não se negou a crença de que só por meio da Igreja Católica se pode obter toda a plenitude dos meios de salvação.

No entanto, o resultado do Concílio Vaticano II não agradou a muitos membros da Igreja Católica, entre eles, Dom Marcel Lefebvre. Os tradicionalistas rejeitaram quase todas as reformas aprovadas por considerarem uma ruptura com a tradição católica. Dentre estas renovações rejeitadas destacam-se em particular a questão da liberdade religiosa, do ecumenismo e da reforma do ritual romano das missas.

Esses conservadores acusam o concílio de ser uma das causas principais da atual crise na Igreja, no declínio do número das vocações sacerdotais, de católicos praticantes e na perda de influência da Igreja no mundo ocidental. Quem protagonizou essas críticas e se notabilizou foi o arcebispo Dom Marcel Lefebvre, tornando-se um dos promotores do movimento tradicionalista católico.

São as suas orientações que os monges do Mosteiro da Santa Cruz seguem até hoje, rompendo com a Igreja Católica de Roma. Saiba mais sobre esse mosteiro em Nova Friburgo, na coluna da próxima quinta-feira, 13.

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    Mosteiro Sainte Marie Madeleine du Barroux, na França

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    Irmão Plácido e ao fundo o Mosteiro da Santa Cruz

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    Os monges celebram em Friburgo a tradicional missa Tridentina, em latim

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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