As mandingas do Luva de Chopotó - Última parte

quinta-feira, 21 de março de 2019

No final do século 18, Mão de Luva e seu bando se deslocaram para os Sertões do Macacu, hoje Centro-Norte fluminense, para explorar o ouro de aluvião. Manoel Henriques, o Mão de Luva, nasceu na Freguesia de Santo Antônio de Ouro Branco, Bispado de Mariana, em Minas Gerais. Seu banho matrimonial, como era denominado o casamento naquela época, foi com Maria da Silva com quem teve filhos. Mão de Luva tinha aproximadamente 35 anos quando se embrenhou nos Sertões do Macacu com seus três irmãos, esposa, filhos, escravos e vários companheiros em busca do ouro de aluvião nos córregos dos Rios Grande e Negro. Portava uma luva no lugar de uma das mãos que perdera quando se metera em uma briga e que lhe valeu a alcunha de Mão de Luva. Quem melhor jogou luz sobre a história do Luva do Chopotó foi o historiador Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira, que escreveu a tese intitulada Mão de Luva e Montanha, Bandoleiros e Salteadores nos caminhos de Minas Gerais, no século 18.

Após anos de exploração clandestina do garimpo na região foram presos pelas tropas do Vice-Rei de Portugal. Mão de Luva, além de uma ação judicial por contrabando, foi declarado herético e deu-se entrada em uma instrução pelo Tribunal de Inquisição de Lisboa. De acordo com o processo, possuía trevos e orações que lhe tinham dado no sertão de Minas Gerais, os quais o ajudavam a fazer artes e valentias. João de Abreu Macedo, casado, 53 anos de idade, carpinteiro, sob o juramento dos Santos Evangelhos, disse que conhece muito bem a Manoel Henriques, intitulado o Mão de Luva do Chopotó, com quem andou cinco meses no mato em um descoberto de ouro e há três anos estavam separados. Declarou que ouviu de boca do próprio Manoel Henriques muitas façanhas que tinha feito em Minas Gerais. Certa feita levou vinte presos para a cadeia de Vila Rica auxiliado apenas por um camarada. Dormindo no caminho, apenas bastou ele para vigiar todos os presos sem que nenhum deles fugisse. Possivelmente os presos aos quais se refere a testemunha trata-se, na realidade, de escravos fugitivos, pois costumava-se recompensar com dinheiro quem apresasse cativos. Em outra feita, cercado por oficiais que queriam prendê-lo, não puderam fazê-lo porque a uns acutilava, a outro matou e fugiu sem ser preso. Esse episódio não só ouviu da boca do dito Manoel Henriques, como de um crioulo que o acompanhava chamado Simão. Segundo João de Abreu Macedo, tudo quanto Mão de Luva fazia não era natural, mas auxiliado por alguma arte diabólica. Metia-se em tudo com intrépido valor. Declarou que quando Mão de Luva se metia em algum perigo logo tirava da algibeira uma bolsa volumosa e a lançava ao pescoço. Valendo-se dela, se metia em todos os perigos seguro de que nada o ofenderia, o que ele testemunha por vezes presenciou. Não sabia dizer se trazia consigo partícula consagrada.

O mandingueiro Mão de Luva prometia suas enfeitiçadas bolsas para as pessoas se livrarem dos perigos. Nas Minas Gerais gostava de jactar-se que tinha feito várias façanhas com os seus cavalos, que pareciam sobrenaturais. Tudo isso para que o seu bando o temesse consolidando sua liderança na localidade. Nos autos da inquisição, Mão de Luva foi processado juntamente com seu companheiro, Agostinho de Abreu Castelo Branco, filho do advogado Jorge de Abreu. Esse último fora igualmente acusado de utilizar uma partícula consagrada, pedra d’ara, óleos sagrados e outras relíquias tiradas de várias capelas por onde tinha andado. Além do processo inquisitorial, Mão de Luva e todo o seu bando foi julgado também por contrabando no Juízo da Intendência Geral do Ouro do Rio de Janeiro. Como esses autos não foram localizados até o momento, não podemos saber o destino de Mão de Luva.

Vamos ver o que registraram em seus diários os viajantes no século 19. Segundo o mineralogista John Mawe, foram presos, sentenciados e enviados para a África e condenados à prisão perpétua. Já o diplomata suíço Johann Jakob von Tschudi relata que Mão de Luva teria sido deportado para o Rio Grande do Sul, onde falecera em 1824 ou 1825. O mesmo descartava a possibilidade de seu enforcamento ou do seu degredo para a costa africana. Já Cansanção de Sinimbu, juiz de Direito de Nova Friburgo, registrou que Mão de Luva foi desterrado para o Rio Grande do Sul onde faleceu vinte e cinco anos depois.

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    Ouro Branco, em Minas Gerais, terra de Mão de Luva

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    O Centro de documentação histórica de Cantagalo tem o processo de Inquisição de Mão de Luva

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    Quem melhor jogou luz sobre a história do Mão de Luva foi o historiador Rodrigo Oliveira

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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