Lilito, o carismático comunista

quinta-feira, 28 de março de 2019

Manoel Pereira Leite, o Lilito, era filho dos imigrantes portugueses Domingos José Leite e Filomena Pereira Leite que vieram de Trás dos Montes e se estabeleceram em Nova Friburgo. Nascido em 3 de dezembro de 1908, tinha 14 anos quando o Partido Comunista surgiu no Brasil e 21 anos quando, em 1929, o partido passou a ter representação em Nova Friburgo. O que dizer de Lilito, o carismático comunista da cidade serrana?

Tarcísio Tupinambá escreveu na crônica “Avental manchado”, publicada no jornal A Gazeta de Nova Friburgo, em 16 de julho de 1983, que Lilito não só vendia carne no açougue, mas também costumava doutrinar os seus fregueses com suas convicções políticas. E seus fregueses o ouviam com atenção e respeito. Segundo ele, “Lilito era uma espécie de oráculo, um hermeneuta, um intérprete dos fenômenos políticos, econômicos e sociais que iam do mundo ao município. E não se diga que fosse um homem de grandes estudos na escola. Todavia seu raciocínio e suas conclusões eram perfeitas, lógicas, espontâneas e claras.”

As palavras ética e moral estavam sempre presentes nos discursos de Lilito. No açougue, enquanto os fregueses o aguardavam no corte da carne brandindo um enorme facão, de forma astuta, Lilito usava o tempo de espera para fazer proselitismo e seduzi-los na doutrina de Karl Marx. Quando alguém o contestava e saía uma discussão, no ardor da polêmica, Lilito sempre contemporizava e tudo terminava em um simbólico aperto de mão, já que estas estavam sempre sujas de sangue impedindo um contato real.

Mesmo pregando o comunismo em uma sociedade conservadora como Nova Friburgo, nunca fez um inimigo e nem perdeu a freguesia. Na sua fala mansa e rouca, devido ao cigarro que consumia a sua saúde, a pregação não maculava o seu carisma pois terminava se justificando que apenas desejava um mundo melhor.

O cineasta Roberto Faria declarou em uma entrevista que fora o queridíssimo tio Lilito, velho comunista, “que o fez abrir os olhos para o mundo da política”. O Partido Comunista foi proibido de atuar pelo governo de Getúlio Vargas e no período de ditadura militar. O fato de Nova Friburgo possuir um complexo industrial com inúmeras fábricas provocava nas autoridades uma eterna vigilância. Quem fazia o papel de polícia política no município era o Sanatório Naval, que prendia e interrogava os militantes do partido proscrito.

Quando o comando da política militar iria se instalar na região serrana optou-se por Petrópolis como sede do batalhão. No entanto, numa reunião, alguém levantou a mão e disse que Nova Friburgo era um município com muitos comunistas e que os operários das fábricas eram um verdadeiro combustível para as suas articulações. Esse argumento prevaleceu e Nova Friburgo teve a primazia da sede do comando da Polícia Militar entre os municípios da região serrana.

Quem lê sobre o cotidiano do carismático açougueiro Lilito não imagina o nível de tensão que havia em Nova Friburgo entre os sindicalistas da classe operária e a direção das indústrias têxteis e metalúrgicas. Conforme pesquisa do historiador Ricardo da Gama Rosa Costa, uma mobilização operária deu origem a uma greve, em janeiro de 1933, iniciada na Fábrica de Rendas Arp e propagando-se para as outras indústrias.

A repressão policial desencadeada sobre as manifestações dos operários em greve redundou na morte de Licínio Teixeira. Já em 1946, uma nova greve envolveu os operários das indústrias Rendas Arp, Ypu e Filó. O Partido Comunista tinha força já que Francisco Bravo foi eleito vereador em 1962, tendo sido cassado pelo regime de ditadura militar.

Se destacaram igualmente como militantes do Partido Comunista, através dos sindicatos, Costinha e Arquimedes de Brito. Ainda segundo Ricardo Costa, outra greve ocorreu em 1986, paralisando a Fábrica de Rendas Arp. Na década seguinte, os operários ocuparam as indústrias metalúrgicas Haga e Eletromecânica. Logo, nos parece que o comunismo em Nova Friburgo não era mera utopia e discurso de pé de ouvido como fazia o açougueiro Lilito com os seus fregueses.

Falecido em 31 de julho de 1991, foi com a sua retórica que Lilito abriu os olhos do cineasta Roberto Faria sobre política. E em relação a mim igualmente. Foi através de inúmeras conversas com o seu Lilito, como eu o chamava, que me convenci no período em que fazia o curso de Direito, que o comunismo era a solução para um mundo melhor. 

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    Lilito tinha 21 anos quando surge em Friburgo o Partido Comunista

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    Manoel Pereira Leite, o Lilito e Othelina Faria Leite

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    Lilito acreditava que o comunismo era a solução para um mundo melhor

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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