As velhinhas japonesas

quarta-feira, 18 de abril de 2018

A solução será, talvez, permitir que as pessoas idosas roubem à vontade

Você sabe que a idade média no Japão está dois ou três quarteirões depois da casa dos oitenta. Bem melhor do que, por exemplo, em Guiné-Bissau, onde a média de idade é bem baixa, e quem chega aos 56 é considerado um sobrevivente. Então, se você quer passar mais um tempinho neste mundo, antes de embarcar para o outro, mude-se para o Japão e se naturalize. Para falar a verdade, não sei se o benefício da longevidade é garantido aos imigrantes, mas, enfim, não custa tentar.

Uma vantagem adicional de envelhecer naquele país é que lá as cadeias são de primeira qualidade. O que cadeia tem a ver com velhice? Bem, você está pensando em termos de Brasil, onde os presídios são masmorras para os pobres, motéis de luxo para os ricos e escritórios multimídia para os que ocupam o topo da hierarquia no mundo do crime. Mas no Japão a história é outra. É a conclusão a que se chega ao saber o que andam fazendo as velhinhas de lá.

Como em todo o mundo, no Japão as mulheres vivem mais do que os homens. Consequência: a maioria fica viúva. Andam dizendo por aí que ser casado é a quarta melhor qualidade de vida, atrás apenas de ser solteiro, viúvo ou falecido. Não é o que pensam as japonesas que, ao perderem os maridos, sentem-se sozinhas e inúteis, não se acham amadas pelos parentes e, não raro, se consideram um peso para eles.

E, como mesmo nos países mais ricos nem todos são ricos, há idosas que vivem na pobreza. Isso é, na pobreza nipônica, o que, para muitos brasileiros, seria como ganhar na loteria. Embora nosso governo tenha declarado praticamente extinta a miséria no Brasil, e considere quase um milionário quem ganha acima do salário mínimo, ainda que seja apenas dez centavos. Também eleva muito a nossa qualidade de vida chamar a velhice de “melhor idade”, “feliz idade” e outras eufêmicas maravilhas da criatividade nacional.

Então, seja por se sentirem solitárias, para não amolarem os parentes ou serem amoladas por eles; por serem pobres ou por simples safadeza, as velhinhas japonesas começaram a praticar ostensivamente pequenos furtos, às vezes com tanta frequência que só resta à justiça mandá-las para a prisão. Também nesse ponto a lei brasileira é diferente, porque aqui, se o sujeito tem mais de setenta anos, pode cometer o crime que quiser, que as autoridades ficam com pena, dão um desconto aqui, outro ali, e tanto descontam que, no final das contas, o criminoso raramente chega a ver o sol nascer quadrado.

 Os japoneses, no entanto, não têm coração e botam os anciãos atrás das grades. E é isso mesmo que querem as velhinhas. Uma delas declara o que todas pensam: “Aqui tenho comida, boa cama, companhia o tempo todo e nada com que me preocupar. Só não posso sair, mas quem disse que eu quero sair? Só quando me obrigarem”.

O problema é o custo. Porque idoso, você sabe, precisa de cuidados permanentes, toma remédio como adolescente toma refrigerante. São médicos, enfermeiros e acompanhantes, 24 horas por dia a serviço das “prisioneiras”. O que se economiza com guardas e sistemas de segurança gasta-se com o pessoal necessário para evitar que as velhinhas entrem à força, e para botar para fora as que se recusam a sair quando termina a pena.

A continuarem as coisas como estão, nem a poderosa economia japonesa vai aguentar. A solução será, talvez, permitir que as pessoas idosas roubem à vontade, benefício que, no Brasil, já é concedido a muita gente, independente da idade.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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