Três histórias de humor negro

quarta-feira, 21 de março de 2018

Há pessoas que se deixam vergar pelo peso de uma pena, enquanto outras sofrem as mais duras penas e tocam em frente

Dizem que, se a gente não inventa, não existe. Também se pode dizer que as coisas que a gente não repete vão sumindo aos poucos, se perdem, caem no esquecimento, deixam de existir. Criar e copiar são verbos, não digo que irmãos, mas ao menos aparentados. Faço essa introdução para deixar claro que não sou o primeiro a narrar as histórias a seguir. Alguém as contou aqui, outro recontou ali, um terceiro repetiu acolá, até que, depois de passarem por muitas bocas e ouvidos, caíram na minha memória. Lá ficaram boiando, e hoje, por conta própria, sem que eu as chamasse, vieram à tona.

Vou passá-las para vocês, com a condição de me prometerem que não vão sair espalhando por aí. Vamos que o verdadeiro autor fique sabendo e me processe por violação de direitos autorais. Honestamente, não estou em condições financeiras ou psicológicas de pagar indenização a ninguém. Agrava-se o delito pelo fato de não ser essa a primeira vez que me aproprio desses casos. Se bem me lembro, já escrevi sobre eles tempos atrás. Mas talvez amenize meu crime dizer que também já fui plagiado, e nem por isso consegui tirar dinheiro do plagiador ou metê-lo na cadeia.

O que me encanta nessas anedotas é que nelas se revela o quanto o ser humano é capaz de superar suas limitações e mesmo rir do próprio sofrimento. Há pessoas que se deixam vergar pelo peso de uma pena, enquanto outras sofrem as mais duras penas e tocam em frente, suportando suas dores, se não com alegria, o que seria sadismo, ao menos com dignidade. Então, vamos aos casos.

Uma mulher sofre de esclerose lateral amiotrófica, doença que provoca paralisia motora, progressiva e irreversível. Ela diz que, atirando os membros desordenadamente em todas as direções, costuma pegar o ônibus para ir a uma festa. Certa vez, o motorista, piedoso, para diante de um hospital. Supõe, e pergunta, se ela está indo lá dentro para fazer tratamento. A resposta que ela dá, sorrindo (tanto quanto a doença lhe permite), faz cair na gargalhada os demais passageiros:

- Nada disso. Toca em frente, que eu vou é pra gandaia!

 Um cego conta que parou na calçada, esperando alguém que o ajudasse a atravessar a rua. Em situações assim, é o deficiente que se apoia em quem lhe oferece ajuda. Nesse dia, no entanto, por mais que ele tentasse segurar no braço da outra pessoa, ela insistentemente invertia a posição, e segurava no braço dele.

Enfim conformado, atravessou a rua, não sem ouvir algumas buzinadas e xingamentos dos motoristas. Ao chegar à calçada oposta, ouviu o barulho de uma bengala que se abria. E conclui, rindo:

- Aí é que eu entendi por que ele insistia em segurar no meu braço! Ele também era cego! Era um cego ajudando o outro a atravessar a rua!          Terceiro caso: O homem, que perdera as duas pernas num acidente, estava em frente ao berçário, contemplando o filho recém-nascido. Comicamente, ele repete o que disse uma senhora que estava ao seu lado, ao saber que aquela bela e completa criança era filho dele:

- Mas o bebê tem as duas perninhas!

A vida tem muitas tristezas. Demais, às vezes. Mas “o que dá pra rir dá pra chorar”, como diz o samba de Billy Blanco. E Stephen Hawking, o físico genial, que sofria de esclerose lateral amiotrófica, aconselhou: “Então, se você se sente como se estivesse num buraco negro, não desista. Sempre existe uma forma de sair”.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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