Professores holográficos

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Pau que bate em Chico bate em Francisco

Tem estado em discussão, neste Brasil onde as discussões nunca terminam, seja lá qual for o assunto, se é direito dos alunos filmarem os professores durante as aulas. Algum alienígena poderia supor que, com isso, os discípulos pretendem transformar os mestres em verdadeiros artistas de cinema e, no fim do ano letivo, conceder-lhes o Oscar pelo excelente desempenho em sala de aula. Bem enganado estaria esse extraterrestre.

Pelo que tenho lido e ouvido, a intenção é que os docentes sejam vigiados e, quando a garotada julgar conveniente, punidos com penas que poderiam ir da ridicularização à demissão. Podíamos aproveitar o embalo e passar a filmar também médicos operando pacientes, policiais interrogando suspeitos, fiscais visitando empresas, políticos fazendo acordos. Enfim, generalizar. Não é justo que só os professores mereçam a honra de serem fiscalizados enquanto trabalham, e justamente por aqueles a quem eles dedicam seu trabalho.

Estou me lembrando agora de uma palestra do senador Cristovam Buarque numa universidade norte-americana. Um aluno lhe perguntou o que ele achava da internacionalização da Amazônia. O rapaz acrescentou que gostaria de receber a resposta de um humanista, e não de um brasileiro. Buarque respondeu que a maravilhosa floresta era um bem da humanidade, e que, portanto, deveria pertencer igualmente a todos os povos. Mas que, por outro lado, também deveriam ser de uso e responsabilidade de todos os povos outros bens universais, tais como o petróleo, o Museu do Louvre, as cidades  de Paris e Nova York e, sobretudo, as crianças pobres do mundo, porque tudo isso é, ou deveria ser, considerado patrimônio da humanidade. Enfim, pau que bate em Chico bate em Francisco.

O que quero dizer é que, se é para filmar os professores enquanto atuam, o mesmo deveria ser feito com os outros profissionais, porque todos eles estão sujeitos a erros, às vezes erros graves, tanto quanto estão sujeitos a acertos dignificantes, a ações que, “honram, elevam e consolam”. Colocar os docentes sob a vigilância daqueles a quem devem educar não há de contribuir para a melhoria das relações humanas entre ambos, nem dos serviços prestados, nem dos que prestam os serviços, nem de quem os recebe. Por esse caminho, chagaríamos ao absurdo (talvez já não seja tão absurdo assim) de filhos filmando os pais para denunciá-los se eles lhes negarem a mais nova versão do Iphone.

Não se conclua daí que professores, qualquer profissional, ou mesmo pais estejam acima de avaliação e julgamento. O tempo do “faz porque eu mandei”, “do cala a boca e obedece” felizmente já acabou, ou pelo menos está nos estertores. Quanto aos problemas das nossas salas de aula, a solução pode ser a que vem sendo implementada por uma universidade inglesa. Embora lá os objetivos sejam puramente acadêmicos, a experiência pode servir para acabar aqui com os conflitos entre mestres e alunos. Trata-se do professor-holograma.

Holograma, reduzido à minha ignorância sobre o assunto, é um feixe de luz tridimensional que cria a ilusão de que alguém, ou algo está presente, quando na verdade pode estar a milhares de quilômetros de distância. Pois na University Imperial College, em Londres, algumas aulas já estão sendo dadas por professores ausentes que, façam a burrada que fizerem, não podem ser xingados, nem levar cadeiradas dos alunos. Ou por outra, até podem, mas não estão nem aí para isso. É uma boa solução para ambas as partes: a turma desabafa, e os professores saem de sala, se não aplaudidos, pelo menos inteiros. E nem adianta filmar, porque os mestres holográficos já são, por natureza, pouco mais do que um filme.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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