O vivo-morto

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Mas ninguém dá emprego a morto, só mesmo em filme de terror

Certa vez, morreu um vereador mineiro, que Minas é eterna, mas seus vereadores, não. Mais ainda: morreu em plena sessão legislativa, não sei se entusiasmado com o discurso que fazia ou se revoltado com o discurso de algum adversário. Na sessão seguinte, apresenta-se o seu suplente, devidamente documentado, mas é impedido de tomar posse.

- Por que não posso tomar posse, Senhor Presidente?

 - Porque ainda não recebi o atestado de óbito do seu antecessor.

- Mas o homem morreu aqui, na sua presença. Senhor Presidente!

- Mas o que manda é o atestado de óbito. Sem atestado, não tem prova documental. Retire-se, por favor.

Alguém rirá dessa história e talvez ainda exclame: Mas só no Brasil mesmo! Pois saibam que na Romênia um cidadão há tempos tenta provar que está vivo, e as autoridades recusam-se a aceitar o fato, nem olham mais para a cara dele. O tal Constantin comparece aos órgãos governamentais, onde ninguém duvida que ele é aquele mesmo cidadão que se ausentou do país anos atrás. Durante algum tempo, morou na Turquia, e lá tocava a vida aos trancos e barrancos, até que, apanhado pela imigração, foi chutado de volta para sua terra natal.

Na Romênia, Constantin continua caminhando, dormindo e, quando é possível, se alimentando. Visita velhos amigos. Vê televisão nas vitrines das lojas e procura emprego. Mas ninguém dá emprego a morto, só mesmo em filme de terror. Embora estando ali, em pé, em pleno tribunal, ouve os juízes repetirem que ele consta como falecido, e falecidos não estão ao abrigo das leis. Pois se os pobres que apelam para a lei, mesmo quando vivos, pouco ou nada conseguem, imagine se, além de pobre, o cara está morto.

Seguindo o belo exemplo da câmara mineira (é o Brasil dando lições ao mundo), os tribunais romenos entendem que Constantin foi declarado morto há muito tempo, e que já se esgotou o prazo para que ele provasse estar vivo. Não tendo papel para atestar que ainda é deste mundo, está morto para todos os efeitos legais, e a decisão é irreversível. Ou seja: na Romênia, morreu uma vez, não tem outra chance.

E lá vai o vivo-morto, não tendo como trabalhar, nem morar, nem namorar, que donzela nenhuma que tenha algum juízo vai dar a mão, abraçar e beijar um homem que, sei lá!, dizem até que já morreu!

Na Romênia é assim: morreu, está morto. Não é como no Brasil, em que um homem público é tido como morto para a política por causa de alguma roubalheira que tenha cometido e eis que na eleição seguinte ele ressuscita. E, justamente por ter estado morto, ficando assim muito falado, levanta-se vitorioso, não do túmulo, mas das urnas.

Parece que na Romênia os juízes, quando tomam uma decisão, é pra valer. Bem melhor é aqui no Brasil, onde as decisões podem mudar a cada semana, dependendo da cara do magistrado e, sobretudo, do bolso do condenado. Enfim, são costumes e, como dizia um antigo ditado, que por antigo ninguém cita mais: “Cada povo com seu uso, cada roca com seu fuso”.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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