Na cadeia

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Lá se paga para ficar preso, aqui se reclama. Um dos dois está errado.

Eu nunca fui preso. Talvez já tenha merecido, quem não? Mas atrás das grades, propriamente, nunca estive. Quando criança, ouvia na família uma conversa sobre certo conhecido que cumpria alguns anos de cadeia, mas isso para mim era o mesmo que dizer que ele estava passeando em Nova York ou percorrendo a Muralha da China, sendo que, nessa época, eu não sabia da existência de Nova York e tampouco da China. Aliás, não sabia que existiam outros lugares no mundo, além de Nova Friburgo.

Adulto, tive vontade de visitar a famosa city that never sleeps. Depois, considerando melhor, conclui que era bobagem. Tudo que tem lá, tem aqui. Por exemplo: em nossa cidade mesmo tem o Central Park, ali no Paissandu. Menorzinho do que o similar americano, mas, para quem não quer andar muito, está de bom tamanho. Para ver a Estátua da Liberdade, é só dar um pulo na Barra da Tijuca, onde ela se ergue imperial, embora com cara de quem está se sentindo fora de lugar. Para aprender a língua, basta visitar as lojas brasileiras, que dão aulas de inglês de graça, desde as vitrines, cheias de sales e offs até os caixas, onde você pode pagar in cash ou com credit car.

Mas nosso assunto é cadeia. Porque ando impressionado com as grandes figuras nacionais que, no momento, não veem o sol nascer nem quadrado nem redondo e só podem ser vistas por ele duas vezes por semana, quando autorizadas a passear no pátio do presídio. Mesmo sendo tratadas com a deferência que merecem pelos altos cargos que ocuparam, sentem-se injustiçadas. É certo que roubaram muito, mas como poderiam roubar pouco, se, como já foi dito, ocupavam altos cargos? No entanto, se roubassem como qualquer pé rapado, seriam acusadas de incompetentes. Essa é que é a verdade.

Por aqui se reclama muito quando se vai preso. Os pobres, porque são amontoados em celas e, ainda que tenham cometido uma falta para advertência verbal ou, quando muito, para cartão amarelo, são obrigados a coabitar com bandidos mais do que merecedores de cartão vermelho. Os ricos porque, além de presos, ainda têm que aguentar a galhofa dessa gente sem respeito, que enche as redes sociais com memes, paródias, músicas e gozações de todo tipo. Outro dia, um deles apareceu na cama com uma senhora casada com outro homem, cujo retrato, pregado na parede em frente, ostentava dois enormes chifres. Uma calúnia. Ou não.

Enfim, no Brasil ninguém que ir para a cadeia, somos todos inocentes desde criancinha. Bem diferente é o que acontece na Coréia do Sul, onde as pessoas até pagam para serem presas. Duvida? Pois é a mais pura das verdades. Lá, as exigências profissionais são duríssimas e a carga de trabalho um exagero. Quem trabalha menos que 68 horas semanais é considerado um malandro. E os estudantes, coitados, além de obrigados a estudar, são obrigados a aprender. Para se ter uma ideia, no dia do Enem lá deles, todas as outras atividades começam uma hora mais tarde, para facilitar o trânsito da garotada. E mais: aviões são desviados da rota para não sobrevoarem os locais de provas, fazendo barulho.

Então, alguém teve uma ideia genial. O sujeito estressado, ou antes que fique, paga uma quantia razoável e vai preso pelo tempo que julgar necessário para se recuperar da prisão que é a vida lá fora. Ao contrário do que acontece em nossos presídios, celulares são proibidos e os “hóspedes” não podem conversar uns com os outros. Dormem num tapete e tomam chá.  Recebem uma caneta e um caderno, mas não têm a pena reduzida nem mesmo se escreverem um novo Crime e Castigo.

Lá se paga para ficar preso, aqui se reclama. Um dos dois está errado.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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