A lição de Mobutu

quarta-feira, 24 de julho de 2019

A importância do berço na formação do caráter do ser humano ainda não foi devidamente estudada pela ciência

Não é que eu seja a favor do roubo, muito pelo contrário. Ainda no berço já ouvia minha mãe ensinando que roubar era coisa feia. Bastava eu esticar a mãozinha na direção da chupeta do meu irmão mais velho para que ela reprimisse esse que é um dos mais antigos costumes da humanidade: apossar-se do que é do outro. Quando esse outro é o povo brasileiro, aí mesmo é que fica fácil meter a mão, como se tem visto ao longo da nossa história.

Creio que muitos dos nossos políticos e demais autoridades não tiveram a oportunidade de ouvir aquele bom conselho materno. Mãe eles tiveram, isso é inevitável, mas talvez não tenham tido berço. A importância do berço na formação do caráter do ser humano ainda não foi devidamente estudada pela ciência. E tanto ele é importante que, quando falamos sobre as qualidades de alguém, frequentemente dizemos “Isso vem de berço”. Mas às vezes não vem.

Fica assim provado que não sou a favor do roubo. Aliás, não tendo recebido nenhuma herança que valesse dinheiro, eu até podia justificar ao menos alguma roubalheirazinha que tivesse feito. Não fiz e talvez nem tenha sido por virtude, pode ser que tenha sido falta de coragem ou de oportunidade. O que conta, no entanto, é que nunca enfiei no bolso fundo ou na rasa conta bancária algo que não me pertencesse.

 Tinha eu por volta de dez anos quando esqueci um gibi num canto qualquer e outro moleque se apossou do meu amigo Durango Kid. Fui lhe pedir que me devolvesse aquele valioso patrimônio, tendo ele se recusado, com a seguinte justificativa sem vergonha: “Achado não é roubado”. Parece que no Brasil também não se considera roubado aquilo que é roubado por quem se sacrifica pelo povo no exercício de um cargo público.

 Lembro-me daquele famoso governador paulista, conhecido pelo slogan “rouba, mas faz”, do qual se diz que, tendo exclamado num comício “neste bolso nunca entrou dinheiro roubado”, ouviu uma voz que retrucou, vinda lá do meio da multidão: “Calça nova, hein, doutor!”.

O problema e que nossos ladrões às vezes exageram, roubam mais e mais descaradamente do que recomenda a boa prática nacional. Quando apanhados, juram inocência e tudo atribuem a perseguições dos adversários, equívocos da imprensa e parcialidade de Justiça. Bem diferente era o personagem que me fez pensar no nosso assunto de hoje. Esse, sim, era um homem sincero. Durante uma reunião partidária, o então presidente do Zaire, Mobutu Sese Seko, deu o seguinte conselho aos seus correligionários: ”Se você quer roubar, roube com inteligência, de um jeito simpático. Só se roubar demais, para ficar rico da noite para o dia, você será pego”.  

É por não ter ouvido os conselhos da mãe ou a sábia lição de Mobutu que alguns de nossos compatriotas hoje estão vendo o sol nascer quadrado.

TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.