Comércio na praça

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Jorge Amado consumia dois litros por livro. Pra livro de safadeza, então, a dose era dobrada

O homem para no meio da praça, olha em volta e parece achar satisfatório o que vê. Muita gente passando, a maioria em direção à rodoviária: entrar e sair, embarcar e desembarcar, incessante formigueiro em que as formigas a cada instante mudam de cara e de roupa, sendo sempre, no entanto, as mesmas formigas, as mesmas caras e roupas. Estende uma toalha no chão e sobre ela deposita um saco estufado, uma mochila bojuda, um balde maltratado. Antes que ele termine a arrumação, uma mulher com uma criança no ombro direito e outra na mão esquerda, estaciona e fica aguardando para ver o que vai acontecer.

Um senhor se aproxima com dificuldade, arrastando as pernas idosas.  Em pouco tempo já uma pequena multidão curiosa faz um círculo em volta do homem, sem saber de que se trata, para que serve toda aquela tralha esparramada no coração da cidade. É como naquela história em que um sujeito se aproxima de um grupo em que várias pessoas falam em voz alta e todas ao mesmo tempo. Alguém lhe pergunta se ele quer ser Testemunha de Jeová. “Mas eu nem vi a briga!”, esquiva-se o recém-chegado.

O homem da praça aperta as mãos, estica os braços, torce o pescoço, respira fundo e finalmente parece pronto para entrar em ação. “Pode chegar, freguesa. Vossa Senhoria parece cansada e isso, minha senhora, é fraqueza no sangue. Pois vos dou a oportunidade de voltar aos 20 anos, madame! É só esfarelar essa raiz sobre a comida, por três dias seguidos e vais correr mais do que bandido fugindo da polícia, ou polícia fugindo de bandido. Aproveita que está em promoção!”

- Quanto é? Pergunta a voz tímida de um rapaz lá do terceiro círculo.

- Tem a grossa e tem a fina. Você gosta mais da grossa, estou vendo pela tua cara.

O rapaz fica vermelho. O povo em volta cai na gargalhada. Um idoso se anima com o ar saudável da raiz e aponta para as que estão no centro de lona.

- A grossa é quinze, a fina é oito. Mas hoje está tudo em promoção, leva as duas por dez. Obrigado, freguês. E a senhora, freguesa? Aproveita que está ganhando um desconto de 50% na compra desse chá amazonense que vos trago de Salvador, da Bahia.

Um incrédulo, nada tendo a fazer com seu muito tempo, nem a comprar com seu pouco dinheiro, questiona: Afinal, é amazonense ou baiano?

- Meu amigo, tu conhece a fama dos baianos, é ou não é? Pois fique sabendo que aquela disposição toda na hora da farra nem é baiana de nascença. É que eles têm cabeça, meu irmão! Pensa que é só os cantores Rui Barbosa e Gil Caetano? A baianada vai buscar esse chá no meio da floresta braba. Alguém aqui já viu índio doente ou baiano desanimado? Ninguém, não é?! Pois lhes digo: o segredo é o uso desse chá milagroso. Ivete Sangalo usa, Cláudia Leite não bebe outra coisa. Jorge Amado consumia dois litros por livro. Pra livro de safadeza, então, a dose era dobrada.

- Aceita vale transporte?

-  E vale refeição também. Passa pra cá e leva um saquinho. É só ferver e tomar. Se funciona? Pois meu amigo, lá nas Alagoas, o doutor Espasmos Siqueira, renomado médico, não só receita como usa. Aos 85 é o terror das mulatas e não menos das brancas. Os maridos só deixam a mulher se consultar com o dr. Espasmos Siqueira ficando do lado e com a garrucha na cintura.

- E esse remédio na garrafa, serve pra quê?

- Pra tudo, meu irmão. Serve pra tudo. Dor de barriga? Resolve. Enxaqueca? Desaparece na mesma horinha. Tira lombeira e cura até dengue. Não tem mosquito  que aguente com ele. Sem falar que é um espanto de afrodisíaco, outro segredo dos índios da Amazonas. E sabe quanto custa? Cem reais? Cinquenta reais? Acredite se quiser: apenas vinte cinco e ainda leva dois sabonetes gudinaitimailovi, importado diretamente de Noviórqui. Calma, freguesada, tem mercadoria pra todo mundo!

Caros leitores: esta coluna estará de férias no mês de janeiro. Desejo que vocês tenham um ótimo ano novo. E que, em fevereiro de 2018, nos reencontremos neste valioso espaço de A VOZ DA SERRA.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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