Citações

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Sugiro que você anote ou, melhor ainda, memorize essas frases

Com certeza já contei para você a história de um sujeito inculto que, por alguns momentos, desfrutou a fama de grande erudito, equívoco não de todo incomum neste mundo em que tantas vezes julgamos as pessoas pelas primeiras impressões. Num encontro casual em um bar, o tal homem impressionou os demais presentes discorrendo doutoralmente sobre os vários assuntos que vieram à baila. Futebol, estraçalhou; França, deitou e rolou; farmacologia, arrasou; feminismo, cercou pelos sete lados, como no jogo do bicho.

Ao fim de tanta demonstração de cultura, sentindo-se injustamente elogiado, nosso personagem candidamente confessou: “Não, nada disso. Na verdade eu sou um ignorante, quase analfabeto”. Diante da incredulidade geral, explicou: “Acontece que eu estive preso por vinte anos e na cela havia um volume de enciclopédia. Era o da letra F, e eu passei vinte anos lendo esse livro. Por coincidência, todos os assuntos que vocês puxaram começavam com F!”.

Também fazer citações pode dar a impressão de grande sabedoria, quando, na maioria das vezes, não é mais do que a leitura das orelhas de alguns livros. Não quero enganar ninguém. Sou como o sujeito que passou vinte anos preso, distraindo-se com o mesmo volume de uma enciclopédia. Mas, na falta de coisa melhor para dizer, vou me valer do velho truque de despejar algumas frases que me ficaram na memória, em anotações soltas, ou assinaladas nas páginas dos livros.

.Comecemos (é inevitável) com Machado de Assis: “Ninguém saberá o que se passa no interior de um sobrinho, tendo que chorar a morte de um tio e receber-lhe a herança”. O velho Machado não era propriamente um otimista. É só lembrar o fim de Memórias Póstumas de Brás Cubas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”. Não sei se o autor de Dom Casmurro, para quem “A vida, mormente nos velhos, é um ofício cansativo”, pretendia ser amargo ou divertido ao sair-se com esta: “O melhor modo de apreciar um chicote é ter-lhe o cabo na mão”, mas certamente estava sendo romântico ao declarar que “O amor é tese para uma só pessoa”.

Balzac era outro que tinha seus momentos de pessimismo: “O primeiro pensamento de um homem, leproso ou forçado, infame ou enfermo, é obter um cúmplice para o seu destino”. Ou ainda: “A consciência, meu caro, é uma bengala de que cada qual lança mão para bater no vizinho e da qual não se serve jamais para uso próprio”. Mas também ele teve lá umas tiradas românticas: “O amor é uma poesia em ação”.

Pessimismo por pessimismo, ninguém vencerá Nietzsche: “A mulher foi o segundo erro de Deus”. Os cavalheiros não devem achar graça, porque da própria frase do filósofo pode-se concluir que o primeiro erro foi o próprio homem (e este bem mais grave!). Ao machismo erudito, soma-se o preconceito popular: “A única mulher que andou na linha... o trem matou”.

Bem antigo é o costume de homem criticar mulher, cada profissional desfazer de seus colegas, um povo zombar do outro. Mark Twain era mestre na arte de exaltar sua gente e de avacalhar as outras: “Com os preços que os barqueiros da Galileia cobram, não me surpreende que Jesus tenha preferido andar sobre as águas”.

“Cada qual cuide de seu enterro, impossível não há”, filosofou Quincas Berro D’água, criatura de Jorge Amado. Falando em enterro, li que, no Brasil, uma das doenças que mais matam chama-se diagnóstico. Uma grande injustiça com os nossos médicos! Mas, talvez não seja de todo inútil transmitir aos colegas de São Lucas (não o hospital, mas o evangelista), a declaração de Jung: “A tarefa de um médico consiste em tratar de uma pessoa doente e não de uma doença abstrata que qualquer um poderia ter”. Penso que à Medicina se aplica o mesmo que Georges Gudsdorf disse sobre a arte de ensinar: “A Educação concreta é essa negociação que procura encontrar para cada caso particular a melhor, ou a menos má, das soluções possíveis. A verdadeira pedagogia surge de um caso individual, processa-se de pessoa a pessoa”.

Para encerrar, sugiro que você anote ou, melhor ainda, memorize essas frases. Não será feio usá-las quando lhe convier, pois, como admitiu Machado de Assis (outra vez!), “Citar a propósito um texto alheio equivale a tê-lo inventado”. Daí a acreditar você mesmo que tais ideias são suas é apenas um passo. Na época ingênua da Música Popular Brasileira, não era incomum que artistas de prestígio se apresentassem como autores de composições que haviam comprado ou, simplesmente, roubado. “Samba é como passarinho”, defendiam-se eles, “é de quem pegar primeiro”. Esse nobre pensamento lhes valeu o merecido nome de “comprositores”, mas também lhes deu dinheiro e fama.

E se você é daqueles que se interessam por prestígio e grana acima de tudo, aqui vão duas passagens do Livro dos Provérbios: “Mais vale o bom nome do que muitas riquezas” e “O homem cobiçoso perturba a sua casa, aquele que odeia os subornos, viverá”.

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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