Discopédia sem censura: Ditadura nunca mais – Parte 2

sábado, 19 de dezembro de 2015

Na coluna de hoje continuarei o tema da última semana. Através desse especial, a história de como artistas do ramo musical foram duramente atacados, violentados e agredidos pela censura no período da Ditadura Militar (1964 – 1985) está sendo contada. Para a música – e, porque não dizer, para o povo também -- foi um período de muita dificuldade, frustração, injustiça e de luta: uma vez que precisavam de, no mínimo, o triplo do esforço para poderem passar suas mensagens através da música, buscando meios de passarem despercebidos pelos ditos profissionais da censura.

Os pretextos que a Ditadura usava para oprimir e vetar as obras não são difíceis de adivinhar. Tudo aquilo que era considerado propaganda política, subversivo, ou que possuia palavras de baixo calão e conteúdo sexual, ou seja, que atentava a famosa e - já naquela época - gasta moral e os bons costumes, entre outros motivos, era vetado pela censura dos militares.

Segundo uma pesquisa de Zuenir Ventura - jornalista e escritor, autor de "1968: O Ano Que Não Terminou" -- a Ditadura Militar censurou mais de 500 letras de música, sem contar cerca de 200 livros, 450 peças e 500 filmes. Com esses números, fica claro o quanto o país perdeu e o quanto a democracia fora ignorada.

Continuando o especial da Discopédia, aqui vão mais três exemplos de artistas que sofreram na mão da censura, mas que ainda são considerados heróis na luta contra a ditadura militar.

Chico Buarque, o favorito dos censores

Chico é considerado por muitos o melhor compositor de música brasileira. Tendo na época uma popularidade que quase rivalizava com a de Roberto Carlos, Chico era bem mais perseguido pelos militares, pois, diferente deste, afrontara diversas vezes a ditadura, fazendo com que a censura não tirasse os olhos dele.

Chico foi duramente prejudicado pela Ditadura. A censura  a sua obra começa ainda em 1966, quando compôs "Tamandaré", música que carrega o nome do patrono da marinha. Dois anos depois, sua peça "Roda Viva" protagoniza um dos momentos mais trágicos, com os atores sendo espancados pelos órgãos de repressão durante um ensaio.

Na década de 1970, quando Chico volta do exílio na Itália que partira em 1969, é que a perseguição se torna maior e mais constante. Ao enviar para a censura a música "Apesar de Você", Chico já aguardava o veto. Mas um censor despercebido deixou a música esperançosa passar e o compacto vendeu milhares de cópias. Um dia, um jornal comentou que a música fazia referência ao então presidente Médici, o que alavancou uma verdadeira caça às bruxas, com a fábrica sendo invadida e os discos quebrados e retirados das lojas.

Só oito anos depois "Apesar de Você" seria relançada, no mesmo disco que trazia "Cálice", outra música que seria censurada pela repressão. Feita em parceria com Gilberto Gil, a música criticava as torturas, a agonia de viver naquele$ tempo ruim e fazia uma metáfora com a paixão de Cristo.

Após o clássico Construção em 1971, com músicas fortes e arranjos de Rogério Duprat, em 1973, a censura de "Cálice" não foi o primeiro ataque a Chico. Sua peça "Calabar", escrita em parceria com Ruy Guerra também fora censurada. Se a peça recebera o veto, com o disco de sua trilha sonora não foi diferente. A censura foi tão bruta que nem a capa passou.

A ideia era que “Calabar” tivesse na capa seu título pichado em um muro. Porém, a ditadura considerou subversão. Então, Chico lançou o disco com a capa totalmente em branco, com versões instrumentais de algumas músicas por terem suas letras censuradas e acabou sendo um fracasso de vendas. ”Bárbara”, uma das mais belas músicas de Chico, teve versos censurados por fazer referência ao relacionamento amoroso de duas mulheres e “Não Existe Pecado Ao Sul do Equador” teve que ter versos trocados por seu conteúdo sexual ser considerado ofensivo. Mais tarde, a Philips recolheria o disco e o relançaria com uma foto do cantor na capa, agora com o título de “Chico Canta”.

O cerco foi só apertando para Chico e, em 1974, ele estava praticamente proibido de cantar suas músicas. Foi assim que surgiram os pseudônimos Julinho de Adelaide e Leonel Paiva, usados pois eram nomes desconhecidos e diminuiriam a vigilância da censura. Nesse ano Chico gravou Sinal Fechado, um disco seu só de interpretações. Em 1974, o sinal realmente fecha pra Chico, que se retira do palco por nove meses. Em 1976 grava Meus Caros amigos, LP que traz “Mulheres de Atenas”, que precisou ter letra revista e “Meu Caro Amigo”, uma de suas canções mais emblemáticas, que tem na letra uma carta sobre a situação do país endereçada ao amigo exilado Augusto Boal.

Em 1978 o AI-5 termina, após dez anos de dura repressão. É nesse ano que Chico Buarque lança um LP homônimo conhecido como “o disco da samambaia”. O próprio cantor o define como “o disco que respira”, pois, como a repressão tinha agora perdido força, o cantor pode gravar músicas como “Cálice”, em um arranjo forte junto com Milton Nascimento, “Apesar de Você” pode novamente circular pelas rádios e músicas de sua nova peça, “A Ópera do Malandro” também entraram em um LP. Apesar de tantos ataques€, o carioca se mostrou um guerreiro, nunca desistindo de lutar contra a ditadura.

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