O apelo da cultura

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Caros amigos, entre tantas preocupações da Igreja Católica encontramos o cuidado com os bens culturais que expressam artística e documentalmente os registros da história que nos ajudam a compreender o presente e projetar o futuro. A Comissão Pontifícia para os Bens Culturais da Igreja nos ajuda a entender melhor o sentido e a importância da preservação da história e da cultura quando diz: “Numa cultura, às vezes desagregada, somos chamados a tomar iniciativas que tornem possível redescobrir o que, cultural e espiritualmente, pertence à coletividade, não no sentido apenas turístico, mas propriamente humano. Neste sentido, é possível redescobrir as finalidades do patrimônio histórico-artístico, para usufruir do mesmo como um bem cultural”.

Na última semana, acompanhamos e lamentamos profundamente o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro, o maior museu de história natural do Brasil. As perdas materiais são incalculáveis. Grande parte do seu acervo foi destruída pelas chamas na noite do último dia 2. O prédio criado por Dom João VI completou 200 anos de existência em junho deste ano. Sendo a instituição científica mais antiga do país, abrigava mais que coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia biológica, arqueologia e etnologia. Abrigava, acima de tudo, uma parte ponderável da história e cultura brasileiras.

Aquelas paredes foram testemunhas de fatos marcantes para o povo brasileiro. Neste prédio, a princesa Leopoldina, casada com D. Pedro I, assinou a carta que levou à Independência do Brasil, em 1822. Anos mais tarde, foi lá também que aconteceu a primeira Assembleia Constituinte da República, marcando o fim do Império no Brasil. Hoje, aquelas cinzas e escombros nos contam uma triste parte de nossa história. Narram o desprezo pela memória histórica de um povo e o descaso pela pesquisa no Brasil. Apesar da preservação dos bens culturais ter importância reconhecida mundialmente, não é difícil perceber o desinteresse público e particular com as instituições que tutelam a imagem viva de tempos passados e presentes.

É comum, nas cidades do interior do país, observarmos a degradação de inúmeros imóveis ricos em valor artístico e cultural. Muitas vezes estes marcos da nossa história e cultura, lamentavelmente, desaparecem para dar lugar a edificações que visam satisfazer interesses econômicos particulares ou de algumas instituições.

Diante disto, importa destacar que a Igreja, no Concílio Vaticano II, ensina que “a experiência dos séculos passados, os progressos científicos, os tesouros encerrados nas várias formas de cultura humana, manifestam mais plenamente a natureza do homem e abrem novos caminhos para a verdade” (Gaudium et spes, 44). Os bens histórico-culturais são a memória da humanidade, são o elo entre o passado o presente. Por meio deles, o conhecimento é transmitido, a identidade de um povo é formada e o futuro é construído. Em suma, descobrimos a verdade a partir das descobertas anteriores.

Infelizmente, a dinâmica da sociedade pós-moderna absolutiza o presente, isolando-o do patrimônio cultural do passado, rompendo com a tradição. Sem os parâmetros da conservação da história, o homem perde o rumo de sua própria identidade; declinando ao conformismo de fazer somente o que os outros fazem ou ao totalitarismo de fazer somente o que os outros querem que faça (cf. Viktor Frankl, O Sofrimento de uma vida sem sentido, 11).

Sobre este tema, afirmou o Papa Emérito Bento XVI: “o ‘conflito’ entre a tradição e o presente exprime-se na crise da verdade, pois só esta pode orientar e traçar o rumo de uma existência realizada, como indivíduo e como povo. De fato, um povo, que deixa de saber qual é a sua verdade, fica perdido nos labirintos do tempo e da história, sem valores claramente definidos, sem objetivos grandiosos claramente enunciados” (12 mai. 2010).

O incêndio que destruiu o museu histórico e científico mais antigo e importante do nosso país, testifica o emblemático alerta sobre os rumos que a cultura brasileira tem tomado. É preciso superar o discurso vazio e politizado criado em torno desta tragédia para aprofundar a reflexão sobre o valor da história para a edificação de um futuro consciente e do justo direcionamento dos orçamentos públicos à preservação de bens culturais e de interesse histórico.

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Dom Edney Gouvêa Mattoso

A Voz do Pastor

Buscando trazer uma palavra de paz e evangelização para a população de Nova Friburgo, o bispo diocesano da cidade, Dom Edney Gouvêa Mattoso, assina a coluna A Voz do Pastor, todas as terças, no A VOZ DA SERRA.

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